Sobre o estado da Realização ou Samadhi

Sobre o estado da Realização ou Samadhi

(trecho do Capítulo Sete do livro “Os Ensinamentos de Ramana Maharshi em Suas Próprias Palavras)

 

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[Os comentários em itálico são de Arthur Osborne, devoto de Ramana e autor do livro, que sintetizou os ensinamentos essenciais do Maharshi a partir de diálogos e textos escritos] 

D.: Pode um homem que alcançou a Realização andar, agir e falar?

B.: Por que não? Você acha que a Realização significa ser inerte como uma pedra, ou se tornar um nada?

D.: Eu não sei, mas dizem que o estado mais elevado é o abandono de toda atividade dos sentidos, bem como dos pensamentos e experiências; na verdade: cessação de toda atividade.

B.: Então como se diferenciaria do sono profundo? Além disso, se assim fosse seria um estado que, por mais elevado que fosse, seria impermanente e instável, não sendo assim o estado normal e natural – então, como isso poderia representar a presença eterna do Eu Supremo, que persiste através de todos os estados e os sobrevive? É verdade que existe tal estado, e que para algumas pessoas é necessário passar por ele. Pode ser uma fase temporária na sua busca ou pode continuar até o fim de sua vida, se assim for a vontade Divina ou seu destino mas, de qualquer forma, você não pode dizer que é o estado mais elevado. Se fosse, você teria que admitir que não só os Sábios, mas mesmo Deus não teria alcançado o estado mais elevado, pois não apenas os Sábios Realizados são muito ativos como também o Deus Pessoal (Isvara) o é, já que Ele governa o mundo e dirige suas atividades.

D.: O que é samadhi?

B.: No yoga o termo é usado para indicar um tipo de transe (ou absorção meditativa), e há vários tipos de samadhi. Mas o samadhi do qual lhe falo é diferente; é sahaja samadhi. Nesse estado você permanece calmo e sereno durante a atividade. Você percebe que é movido pelo Eu Real dentro de você, e permanece não afetado por qualquer coisa que você faça, diga, ou pense. Você não tem mais preocupações, ansiedades ou cuidados, pois você percebe que nada pertence a você como ego, e que tudo é feito por algo com o qual você está em união consciente.

D: Geralmente os Jnanis (Iluminados) se retiram da vida em sociedade e se abstém de toda atividade mundana.

B.: Eles podem fazer isso ou não. Alguns, mesmo após a Realização, continuam trabalhando no comércio ou então reinam uma nação. Outros se retiram a locais solitários e se abstém de toda atividade além da mínima necessária para manter a vida no corpo. Não se pode fazer uma regra geral a respeito.

Quando um aspirante lhe perguntou se sua Realização, se alcançada, ajudaria os outros, Bhagavan respondeu:

Sim, e é a melhor ajuda que você pode lhes dar. Mas na verdade não há “outros” para ajudar.

As pessoas muitas vezes pensam que um Iluminado deveria andar de lá para cá pregando sua mensagem. Elas perguntam como alguém pode permanecer na quietude da Realização quando há tanta miséria à sua volta. Mas o que é o Realizado? Ele vê alguma miséria fora de si mesmo? Essas pessoas pretendem determinar Seu estado sem elas mesmas o terem alcançado. Do ponto de vista do Iluminado, a opinião dessas pessoas se resume a isso: um homem tem um sonho, no qual vê inúmeras pessoas. Então, ao despertar ele pergunta, “Aquelas outras pessoas do sonho também já despertaram?” É ridículo. Ou então, alguns bons homens dizem: “Não importa nem mesmo se eu não alcançar a Realização. Que eu seja a última pessoa no mundo a alcançá-la, para que eu possa ajudar os outros a se Iluminarem antes de mim mesmo!” Isso é como o sonhador dizer: “Que essas pessoas no sonho acordem antes de mim!” – não seria mais absurdo que aqueles amáveis filósofos.

Paradoxalmente, entretanto, o Sábio é intensamente ativo, apesar de parecer inativo.

Uma máxima de Lao-Tsé, extraída do Tao Te King, foi lida em voz alta no salão: “Por meio de sua não-ação, o Sábio a tudo governa.” Sri Bhagavan comentou: “Não-ação é atividade incessante.” O Sábio é marcado pela atividade eterna e incessante. Sua imobilidade é como a imobilidade aparente de um pião: o pião está se movendo rápido demais para o olhar perceber, então ele parece estar imóvel. Entretanto, ele está girando. Assim também é a aparente inatividade do Sábio. Isso precisa ser explicado porque as pessoas normalmente confundem sua quietude com inércia. Não é isso.

Igualmente atrás desse ponto está a questão de se o Iluminado pode sentir prazer e dor (se pode sentir prazer, então dor também, pois os dois estão juntos; eles são um par de opostos).

Tanto o homem Realizado quanto o não Realizado tem sensações. A diferença é que o não realizado se identifica com o corpo que tem sensações, enquanto que o Iluminado sabe que tudo isso é o Eu Real, que tudo é Brahman (O Absoluto). Se há dor deixe-a ser; ela também faz parte do Eu, e o Eu é perfeito.

A afirmação de que não há ego ou de que a mente está morta às vezes gera incompreensões. O que se quer dizer é que a mente ou ego, enquanto criador ou originador aparente de planos, idéias e ações, está morto. A compreensão permanece, junto à Consciência pura e radiante.

D.: Podemos pensar sem a mente?

B.: Os pensamentos podem continuar, assim como as outras atividades. Eles não perturbam a Consciência Suprema.

As pessoas supõem a existência da mente pura no jivanmukta e no Deus pessoal. Elas perguntam, “Se eles não possuíssem mente, como poderiam viver e agir?” Mas isso é apenas uma concessão feita para fins de argumentação. A mente pura na verdade é a Consciência Absoluta. O objeto a ser testemunhado e a testemunha finalmente se fundem e apenas a Consciência Absoluta permanece. Não é um estado de vazio ou de ignorância, mas sim o Eu Supremo.

A mente do Ser Realizado é às vezes comparada à luz da lua durante o dia.

A lua brilha refletindo a luz do sol. Quando o sol se põe, a luz da lua é útil para fazer os objetos visíveis. Quando o sol nasce ninguém mais precisa da lua, apesar de seu disco  ainda ser visível no céu. Assim também é a relação entre a mente e o Coração. A mente é útil devido à sua luz refletida, que é usada para ver os objetos. Quando voltada ao interior, a mente mergulha na fonte da Luz que brilha por si mesma, tornando-se assim [desnecessária] como a luz da lua em pleno dia.

Às vezes as pessoas demonstravam medo ao pensar sobre abandonar o ego, mas Bhagavan  lembrava que elas fazem isso toda vez que vão dormir.

B.: As pessoas temem que quando o ego ou a mente for destruído o resultado será um mero vazio, e não a felicidade. O que na verdade acontece é que o pensador, o objeto do pensamento e o próprio pensamento, mergulham todos na Fonte única, que é em si mesma Consciência (chit) e Felicidade (ananda); assim, esse estado não é inerte e nem é um vazio. Eu não compreendo porque as pessoas deveriam ter medo de um estado no qual todos os pensamentos cessam e a mente é morta. Elas experimentam isso diariamente no sono. Durante o sono profundo não há mente nem pensamento. Mesmo assim, quando a pessoa acorda ela diz, “Dormi bem”.

A nossa verdadeira natureza é Libertação, mas nós imaginamos que estamos presos e fazemos um grande esforço para nos libertar, apesar de sermos sempre livres. Mas isso só é compreendido quando nós chegamos àquele estado. Então nós ficaremos surpresos ao descobrir que nós estávamos lutando freneticamente para atingir algo que nós sempre fomos e somos. Uma ilustração esclarecerá esse ponto. Um homem vai dormir nesta sala. Ele sonha que está fazendo uma viagem pelo mundo, atravessando montanhas e vales, florestas e planícies, mares e desertos, passando por vários continentes e, após muitos anos, fatigado com essas viagens tão árduas, retorna a este país, chega até Tiruvannamalai, entra no Ashram e caminha até esta sala. Então naquele momento ele acorda e percebe que não tinha saído dali o tempo todo, e que tudo fora um sonho. Ele não voltou a esta sala depois de grandes esforços – ele esteve aqui o tempo todo. É exatamente assim. Se você perguntar por quê, estando realmente livres, imaginamos que estamos presos, eu respondo, “Por quê, estando aqui na sala, você imaginou que viajava o mundo, atravessando montanhas e vales, mares e desertos?” Tudo é [o jogo da] mente ou maya.

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