Somos felizes?
(trecho do Capítulo II do livro “Maha Yoga”, recém publicado)
Nenhuma das religiões e filosofias do mundo pode fazer por nós o que podemos fazer por nós mesmos, se pararmos para refletir; pois o que delas obtemos não passa de congestão mental – simples modismos de pensamento e de linguagem, que não se coadunam com o que realmente somos. Somente o que descobrimos por nós mesmos, por nossa própria experiência, pode nos ser de real valor. Além disso, nada poderemos encontrar de real valor, nem mesmo através de nossa própria experiência, se não pararmos e refletirmos. Se essas religiões e filosofias apenas abreviarem a chegada do dia em que paramos e pensamos, já terão feito bastante por nós.
O que nos impede de parar e pensar é a crença de que estamos conseguindo da vida – ou de que logo conseguiremos – aquilo que queremos: a felicidade. O que pode provavelmente abalar essa crença é a experiência do lado trágico da vida. Diz-nos o Sábio de Arunachala [Sri Ramana Maharshi] que este é o meio usado pela Natureza, e nos dá a analogia dos sonhos como prova. Quando sonhamos com coisas agradáveis não despertamos; mas acordamos tão logo apareçam visões desagradáveis. Uma vida de tranquilo deleite é, naturalmente, contrária à reflexão profunda sobre assuntos sérios; e, sob esse aspecto, pessoas religiosas não são melhores do que nós.
Suponhamos que achemos a vida frustrante – senão totalmente intolerável – e que assim a achamos, quer por nossa própria conta, quer como representantes da humanidade. Seria bom que fizéssemos essa suposição, pois essas investigações destinam-se apenas aos que partem desta premissa. Na verdade, a maioria de nós já considerou a vida assim, e não uma só vez, mas repetidamente.
Que fizemos cada uma dessas vezes? Consultamos sacerdotes ou videntes, ou oramos a Deus. Estes são os remédios populares para a doença que aflige a todos nós. Essas atitudes só têm adiado a crise; e será sempre assim, até pararmos e pensarmos.
Buscamos a felicidade ao longo da nossa vida. Já estivemos muitas vezes a ponto de consegui-la e fazê-la nossa para sempre, mas fomos sempre enganados. Apesar disso, sem pararmos para pensar – como devemos fazer agora – simplesmente continuamos da mesma velha maneira. Se agora pararmos e pensarmos, surgirá o pensamento de que provavelmente partimos em busca da felicidade sem termos uma compreensão adequada da sua verdadeira natureza e origem.
Primeiramente, examinemos a felicidade e descubramos o que ela é. O que queremos significar por felicidade é um estado constante – algo que viverá dentro de nós com todo seu frescor e pureza enquanto existirmos. O que o mundo nos tem oferecido não é nada disso, mas sim algo efêmero e inconstante, cujo nome adequado é prazer. Felicidade e prazer são duas coisas inteiramente diferentes. No entanto, supomos que os prazeres são a própria estrutura da felicidade. Presumimos que se conseguirmos, diuturnamente, um constante fluxo de prazeres, teremos nos assegurado a felicidade.
Mas é da própria natureza do prazer ser inconstante; pois ele é apenas nossa reação ao impacto das coisas exteriores. Certas coisas nos dão prazer e procuramos adquiri-las e conservá-las; todavia, os mesmos objetos não dão sempre o mesmo prazer. Às vezes, trazem até sofrimento. Dessa forma, frequentemente somos iludidos pelo prazer que procuramos e nos candidatamos ao sofrimento. Prazer e sofrimento são, na verdade, companheiros inseparáveis.
O Sábio de Arunachala nos adverte de que o prazer real não advém de coisas materiais. Se o prazer que experimentamos na vida se originasse dessas coisas, ele deveria ser maior quando possuíssemos mais coisas, menor se as tivéssemos menos, e nulo quando nada tivéssemos – mas não é bem assim. O rico que possui coisas em abundância, não é infalivelmente feliz; nem o pobre que muito pouco tem, é a rigor infeliz. E todos se sentem sumamente felizes quando conseguem um sono profundo e sem sonhos. Para assegurar-nos o gozo de um sono imperturbável, suprimo-nos de todos os meios artificiais disponíveis – colchões e travesseiros macios, mosquiteiros, mantas ou refrigeração, e assim por diante. A insônia é considerada um terrível mal. Para combatê-la, os homens envenenam a própria fonte vital – o cérebro – com drogas nocivas à saúde. Tudo isso mostra o quanto gostamos de dormir, e gostamos porque no sono profundo somos felizes.
Justifica-se, assim, nossa suspeita de que a verdadeira felicidade é – como muitos homens sábios já disseram – algo que pertence à nossa própria natureza interior. Os Sábios sempre ensinaram que o prazer não tem existência independente; não reside em objetos externos, parecendo ser assim por mera coincidência. O prazer decorre de uma liberação de nossa própria felicidade natural, aprisionada nas profundezas de nosso ser. Tal liberação ocorre justamente quando, após uma busca um tanto penosa, obtemos o objeto desejado ou afastamos algo indesejável. Igual a um vira-lata que, ao roer um osso sem carne e, degustando seu próprio sangue, supõe que o sabor está no osso, nós achamos que os prazeres estão nas coisas que procuramos e conseguimos. Pode-se dizer que o desejo é a causa de estarmos exilados da felicidade que se encontra dentro de nós, e com sua cessação – mesmo que momentânea – podemos provar um pouco desta felicidade.
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