A CANÇÃO DO AVADHUTA
(O Ensinamento Sobre a Sabedoria do Ser)
Por Dattatreya (com transliteração sânscrita)
O Avadhuta Gita é um texto clássico da espiritualidade não dual, o Advaita Vedanta. Nesses versos, Dattatreya expressa a verdade suprema a partir de sua própria realização. Não se trata de um manual, ou tratado filosófico, mas sim de um poema inspiracional altamente estimado por yogis e aspirantes ao longo dos séculos. As palavras do Avadhuta cortam fora todas as ilusões da mente e penetram diretamente o coração, dando-nos um sabor autêntico – embora transitório – da sua Consciência transcendental.
Os trechos a seguir fazer parte do Capítulo I – Prathamodhyayah (O Ensinamento Sobre a Sabedoria do Ser) desse clássico, considerado como um dos mais eloquentes e envolventes tratados da literatura indiana antiga, e cuja tradução em português foi publicada recentemente pela Satsang Editora e está à venda na nossa Loja Virtual e na Amazon.
1.
ishvaranugrahad-eva
pumsam advaita vasana
mahadbhaya paritranat
vipranam upajayate
Verdadeiramente, é pela graça de Deus
Que o conhecimento de Unidade surge dentro.
Então o homem é por fim libertado
Do medo profundo da vida e da morte.
2.
yenedam puritam sarvam
atmanaivatman atmani
nirakaram katham vande
hyabhinnam shivam avyayam
Tudo o que existe neste mundo das formas
Não é mais do que o Ser, e apenas o Ser.
Como, pois, deve o Infinito venerar Si mesmo?
Shiva é o Todo indiviso.
3.
panchabhutatmakam vishvam
marichi-jala sannibham
kasyapyaho namas-kuryam
aham eko niranjanah
Os cinco elementos sutis que se combinam para formar este mundo
São tão ilusórios como a água em uma miragem do deserto;
A quem, pois, devo curvar minha cabeça?
Eu mesmo sou o Imaculado!
4.
atmaiva kevalam sarvam
bhedabhedo na vidyate
asti nasti katham bruyam
vismayah pratibhati me
Verdadeiramente, todo este universo é apenas meu Ser;
Ele não é nem dividido nem indiviso.
Como eu posso mesmo afirmar que ele existe?
Só o posso ver com admiração e assombro!
5.
vedanta-sara-sarvasvam
jnanam vijnanam eva cha
aham atma nirakarah
sarvavyapi swabhavatah
O que, então, é o coração da verdade mais elevada?
O âmago do conhecimento, a sabedoria suprema?
É, “Eu sou o Ser, o sem forma;
Devido à minha natureza, eu tudo permeio.”
6.
yo vai sarvatmako devo
niskalo gaganopamah
swabhava-nirmalas shuddah
sa evaham na samshayah
Aquele Deus que brilha dentro de tudo,
Que é sem forma como o céu sem nuvens,
É o puro, imaculado, Ser de todos.
Sem qualquer dúvida, esse é quem eu sou.
7.
aham eva vyayonantah
shuddha-vijnana-vigrahah
sukham duhkham na
janami katham kasyapi vartate
Eu sou o infinito e o Imutável;
Eu sou pura Consciência, sem nenhuma forma.
Eu não sei como, ou a quem,
Alegria e tristeza aparecem neste mundo.
8.
na manasam karma shubhashubham me
na kayikam karma shubhashubham me
na vachikam karma shubhashubham me
jnanamritam shuddham atindriyoham
Eu não tenho karma mental, bom ou mau;
Eu não tenho karma físico, bom ou mau.
Eu não tenho karma verbal, bom ou mau.
Eu estou além dos sentidos; Eu sou o puro néctar do conhecimento do
Ser.
9.
mano vai gaganakaram
mano vai sarvato mukham
manatitam manah sarvam
na manah paramarthatah
A mente é sem forma como o céu,
No entanto ela veste um milhão de faces.
Aparece como imagens do passado, ou como formas mundanas;
Mas não é o Ser supremo.
10.
aham ekam idam sarvam
vyomatitam nirantaram
pashyami katham atmanam
pratyaksham va tirohitam
Sou Um, Sou isto tudo!
Porém sou indiferenciado, além de todas as formas.
Como, então, eu vejo o Ser?
Como tanto o Imanifesto e a manifestação.
11.
twam evam ekam hi katham na buddhyase
samam hi sarveshu vimrishtam avyayam
sadoditosi twam akhanditah prabho
diva cha naktam cho katham hi manyase
Você, também, é o Um! Por que você não compreende?
Você é o Ser inalterável, o mesmo dentro de todos.
Você é verdadeiramente ilimitado; a Luz que tudo permeia.
Para você, como pode haver qualquer distinção entre o dia e a noite?
12.
atmanam satatam viddhi
sarvatraikam nirantaram
aham dhyata param dhyeyam
akhandam khandyate katham
Compreenda que o Ser é existência constante,
O Um dentro de todos, sem qualquer divisão.
O “Eu” é tanto o sujeito como o objeto supremo da meditação;
Como pode ver dois n’Aquilo que é Um?
13.
na jato no murtosi twam
na te dehah kadachana
sarvam brahmeti vikhyatam
braviti bahudha shrutih
Nem nascimento nem morte lhe pertencem;
Você nunca foi um corpo.
É bem sabido que “Tudo é Brahman”;
As escrituras afirmaram isto de várias formas.
14.
sa bahyabhyantarosi twam
shivah sarvatra sarvada itas
tatah katham bhrantah
pradhavasi pishachavat
Você é Aquilo que está tanto dentro como fora;
Você é Shiva; você é tudo em toda a parte.
Por que, então, está tão iludido?
Por que corre como um fantasma assustado?
15.
samyogash cha viyogash cho vartate
na cha te na me
na twam naham jagan nedam
sarvam atmaiva kevalam
Não existe isso de união ou separação para mim
Nem para você.
Não existe eu, você, nem um mundo de multiplicidade;
Tudo é o Ser, e apenas o Ser.
