A Irrealidade do Mundo
(trechos do Capítulo III – The Jnani and The World, do livro Maharshi’s Gospel – The Teachings of Sri Ramana Maharshi )
Ao ver o mundo, o jnani (iluminado) vê o Ser que é o substrato de tudo que é visto; o ajani (não-iluminado) é ignorante de seu verdadeiro Ser.
Tome como exemplo os filmes numa tela de cinema. O que está diante de você antes do filme começar? Simplesmente a tela. Sobre essa tela você vê o filme inteiro, e para todos os efeitos as imagens parecem bem reais. Mas tente pegá-las. O que você pega? Unicamente a tela sobre a qual as imagens apareciam como reais. Ao final do filme, quando as imagens desaparecem, o que permanece? A tela novamente!
Assim acontece com o Ser. Somente Ele existe; as imagens vêm e vão. Se você agarrar-se ao Ser, não será enganado pelo aparecimento das imagens. E nem tem nenhuma importância se as imagens aparecem ou desaparecem. Ignorando o Ser, o ajnani pensa que o mundo é real, da mesma forma que ao ignorar a tela de cinema ele vê unicamente as imagens, como se elas existissem separadas dela. Se percebermos que sem aquele que vê não há nada a ser visto, assim como não há imagens sem a tela de cinema, não seremos iludidos. O jnani sabe que a tela, as imagens e a visão deles são apenas o Ser. Com as imagens, o Ser está em sua forma manifesta; sem as imagens Ele permanece na forma não manifesta. Para o jnani é totalmente irrelevante se o Ser está em uma forma ou outra. Ele é sempre o Ser.
P.: A princípio é fácil aceitar que o mundo não é real, mas é difícil ter a convicção de que ele é realmente irreal.
M.: Mesmo assim seu mundo de sonho é real enquanto você está sonhando. Durante o sonho, tudo o que você vê e sente lá é real.
P.: Então o mundo não passa de um sonho?
M.: O que há de errado com o senso de realidade que você tem enquanto está sonhando? Você pode estar sonhando com alguma coisa totalmente impossível, como por exemplo, estar conversando alegremente com uma pessoa morta. Você pode até duvidar por um instante no sonho dizendo a si mesmo “ele não estava morto?”, mas de alguma maneira sua mente concilia a visão do sonho, e para o propósito do sonho é como se a pessoa estivesse viva. Em outras palavras, o sonho como um sonho não lhe permite duvidar de sua realidade. Mesmo assim, você é incapaz de duvidar da realidade do mundo no seu estado desperto. Como a própria mente que criou o mundo pode aceitar sua irrealidade?
Este é o significado da comparação feita entre o estado desperto e o mundo do sonho. Ambos não são nada além de criações da mente e enquanto a mente está absorvida neles, é incapaz de negar a realidade do sonho enquanto sonhando e do estado desperto enquanto desperta. Se, ao contrário, você retirar sua mente do mundo completamente e voltá-la para dentro e permanecer assim, isto é, se você estiver sempre consciente do Ser, que é o substrato de toda experiência, você descobrirá que o mundo, de que você está agora consciente [somente], é tão irreal quanto o mundo no qual você viveu no seu sonho.
P.: Nós vemos, sentimos e percebemos o mundo de tantas formas diferentes. Essas sensações são as reações aos objetos vistos, sentidos e percebidos e não são criações mentais como nos sonhos, que diferem não só de pessoa para pessoa, como também em relação à mesma pessoa. Isto não é suficiente para provar a realidade objetiva do mundo?
M.: Toda essa conversa sobre inconsistências e suas atribuições ao mundo dos sonhos só surgem agora, quando você está desperto. Enquanto você sonhava, o sonho era um todo perfeitamente integrado. Isto é, se você sentiu sede no sonho, a ilusão de beber água ilusória matou sua sede ilusória. Mas tudo isso era real e não ilusório para você, enquanto você não sabia que o próprio sonho era ilusório. Acontece o mesmo com o mundo desperto e com as sensações que você tem agora, que são coordenados e dão a impressão de que o mundo é real.
Qual é o padrão da Realidade? Só é Real aquilo que existe por si mesmo, que revela a si mesmo por si mesmo e que é eterno e imutável.
O mundo existe por si mesmo? Ele já foi visto sem a ajuda da mente? No sono profundo não há mente e nem mundo. Quando você está desperto, existe a mente e existe o mundo. O que essa concomitância invariável significa? Você pode dizer “eu existo”. Isto é, a sua não é mera existência, é a Existência da qual você está consciente. Realmente, a Existência é idêntica à Consciência.
P.: O mundo pode não ser consciente dele mesmo, ainda assim ele existe.
M.: A Consciência é sempre autoconsciente. Se você é consciente de alguma coisa você é essencialmente consciente de si mesmo. A existência autoinconsciente é uma contradição em termos, não é existência de jeito nenhum. Ela é meramente uma existência atribuída, ao passo que a verdadeira existência, sat, não é um atributo, é a própria Substância. Portanto, a Realidade é conhecida como sat-chit, Ser-Consciência, e nunca um exclui o outro. Nem o mundo existe por si mesmo, e nem ele está consciente de sua existência. Como se pode dizer que um mundo assim é real?
E qual é a natureza do mundo? É a mudança permanente, um fluxo contínuo e interminável. Um mundo dependente, inconsciente de si mesmo e permanentemente mutável não pode ser real.
